Entre os principais objetivos da norma estão a humanização do atendimento, o cuidado psicológico contínuo e o acesso igualitário aos serviços públicos de saúde, com atenção especial às mulheres que sofrem perda gestacional, óbito fetal ou neonatal.
por Gabriela Matias
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.139, que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. Publicada no Diário Oficial da União nesta semana, a nova legislação busca garantir acolhimento humanizado a mulheres e famílias que vivenciam a dor da perda de um filho durante ou após a gestação.
As ações previstas passam a integrar oficialmente o atendimento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com entrada em vigor prevista para 90 dias após a publicação.
Segundo explica a advogada Rafaela Carvalho, do VLV Advogados, a lei representa um passo importante para o reconhecimento institucional do luto parental. “Além de tratar a dor com o respeito que ela merece, a legislação obriga o poder público a oferecer suporte real para essas famílias. É um avanço civilizatório no cuidado com a saúde emocional”, afirma.
A ideia é oferecer suporte desde o momento da perda até o pós-alta, com diretrizes que devem ser seguidas por hospitais e profissionais de saúde em todo o país.
A nova lei determina, por exemplo, que hospitais devem:
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Cumprir protocolos de atendimento humanizado, garantindo rapidez, acolhimento e respeito;
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Encaminhar a família para acompanhamento psicológico, preferencialmente em casa ou em unidade próxima com profissional habilitado;
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Facilitar a comunicação entre equipes de saúde, para que todas as unidades estejam cientes da perda vivida pela paciente;
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Oferecer quartos separados para mães que perderam seus bebês ou cujos filhos têm diagnósticos graves;
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Assegurar a presença de um acompanhante escolhido pela mãe no parto de natimorto;
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Permitir que a família se despeça do bebê com privacidade, pelo tempo que considerar necessário;
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Coletar e entregar lembranças do bebê, como impressão digital e plantar, se a família desejar;
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Emitir declaração com o nome do bebê e dados do parto, para que os pais possam exercer sua memória e vínculo.
A lei também exige que os profissionais de saúde passem por capacitações específicas sobre o tema, garantindo sensibilidade e preparo no atendimento a essas situações. Outro ponto importante é a garantia de assistência social para os trâmites legais, incluindo orientação sobre o registro do óbito e eventuais providências funerárias.
A família poderá ainda decidir sobre sepultamento ou cremação do natimorto, escolher realizar rituais conforme suas crenças e participar da organização do momento de despedida. A destinação dos corpos deverá sempre respeitar a dignidade da pessoa humana, sendo vedada qualquer forma de descarte sem autorização familiar.
Para Rafaela Carvalho, o impacto da legislação vai além do aspecto emocional: “É uma norma que também tem peso jurídico. Ao estabelecer direitos e obrigações claras, ela oferece base legal para responsabilizar instituições que falharem no acolhimento. Isso traz segurança e reconhecimento para famílias que, até então, lidavam com essa dor em completo abandono do Estado.”
Com a nova política, o luto parental deixa de ser um tabu no atendimento de saúde pública e passa a ser reconhecido como um processo que merece escuta, cuidado e dignidade.
Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental: O que é?
A nova legislação tem como escopo central garantir dignidade, acolhimento e assistência integral às famílias que enfrentam perdas ainda na gestação, no parto ou nos primeiros dias de vida da criança. Conforme descrito em seu texto, a política busca a integração dessas ações ao Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento pautado em equidade, respeito e empatia.
Dentre os principais objetivos estão:
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A humanização no atendimento durante e após a perda;
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A comunicação clara e respeitosa com os familiares;
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O acesso a acompanhamento psicológico;
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A oferta de capacitação contínua a profissionais da área;
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A previsão de direitos para o registro, despedida e sepultamento dos natimortos.
A advogada Rafaela Carvalho, especialista em direitos da saúde e integrante do escritório VLV Advogados, explica que “a lei inaugura uma fase de responsabilização mais objetiva por parte do poder público, diante de situações em que o sofrimento era, muitas vezes, tratado de forma burocrática e desumana”.
Direitos garantidos às famílias pela nova lei
A Lei nº 15.139/2024 impõe aos entes públicos a adoção de uma série de providências práticas e simbólicas, com o intuito de assegurar a dignidade da mulher e de sua família no momento da perda.
Entre os direitos garantidos, destacam-se:
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Direito à informação: os profissionais devem comunicar com clareza o ocorrido, com linguagem acessível e respeito ao momento emocional da família;
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Acompanhamento psicológico: a família deve ser encaminhada para atendimento especializado, preferencialmente em domicílio ou unidade próxima;
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Acomodação separada: mulheres que sofreram perdas gestacionais ou neonatais devem ser, sempre que possível, acomodadas em ala distinta das mães com bebês vivos;
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Presença de acompanhante no parto do natimorto: a mulher tem direito a indicar alguém de sua confiança para estar ao seu lado nesse momento;
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Despedida do bebê: deve ser garantido um espaço e tempo adequado para que os pais e familiares possam se despedir, conforme suas crenças e necessidades emocionais;
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Registro de lembranças: é direito da família solicitar impressões digitais, plantares e a emissão de documento com o nome escolhido para o bebê;
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Escolha sobre rituais fúnebres: a família decide sobre sepultamento ou cremação, sendo vedada qualquer destinação que não respeite a dignidade da pessoa humana.
Segundo Rafaela Carvalho, “o reconhecimento do luto parental como um evento jurídico relevante reforça a proteção da dignidade humana em todas as suas fases. É um marco para o Direito da Saúde e para os direitos das mulheres no Brasil.”
Como essa lei se relaciona com o SUS e os deveres do Estado?
A política instituída por esta nova legislação integra-se diretamente ao SUS, o que significa que hospitais públicos, maternidades conveniadas e profissionais da rede básica de saúde devem seguir os protocolos definidos.
A atuação dos entes federativos (União, estados, DF e municípios) deverá ocorrer de forma coordenada, com especial atenção à:
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Descentralização das ações: o atendimento deve chegar à ponta, especialmente nas regiões mais vulneráveis;
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Formação de profissionais: é dever do Estado oferecer capacitação contínua sobre luto gestacional e neonatal;
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Integração intersetorial: as áreas da saúde, assistência social e até o judiciário devem atuar de forma articulada quando houver impacto nos direitos da família enlutada.
Essa vinculação com o SUS confere efetividade prática à norma e permite que as famílias exijam seu cumprimento com base nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, que regem o sistema.
Consequências jurídicas à hospital não cumprir as diretrizes da nova lei
Sim. Com a sanção da nova norma, os hospitais públicos e conveniados, assim como seus profissionais, passam a ter deveres objetivos no atendimento humanizado ao luto parental. O descumprimento desses deveres pode gerar responsabilidade civil do Estado ou da unidade hospitalar.
A depender do caso, é possível pleitear:
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Danos morais, diante de condutas que podem agravar o sofrimento da família;
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Danos materiais, caso haja gastos indevidos em razão da ausência de acolhimento público;
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Responsabilização por negligência, nos casos de omissão de protocolos previstos na legislação.
Conforme aponta a advogada Rafaela Carvalho, “a lei traz um novo parâmetro para o Judiciário na análise de ações por dano moral decorrente de luto mal conduzido. Situações que antes eram vistas como ‘mero aborrecimento’ passam a ter respaldo normativo para serem julgadas sob o prisma da responsabilidade civil”.
O que pode mudar na prática para os profissionais de saúde
A nova lei exige dos profissionais da saúde postura ativa, empática e tecnicamente capacitada para lidar com situações de luto gestacional, fetal e neonatal. Isso inclui desde a forma de dar a notícia até a execução de cuidados específicos após o óbito.
Na prática, os profissionais deverão:
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Passar por formações obrigatórias sobre a temática do luto;
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Registrar com clareza as informações nos prontuários médicos, incluindo o óbito e as circunstâncias envolvidas;
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Garantir que os direitos da mãe e da família sejam respeitados integralmente, inclusive no que diz respeito a acompanhante, despedida e apoio psicológico.