Palmas - Tocantins
domingo, 1 de junho de 2025

Nova Lei do Luto Parental entra em vigor: veja os direitos garantidos aos pais

Entre os principais objetivos da norma estão a humanização do atendimento, o cuidado psicológico contínuo e o acesso igualitário aos serviços públicos de saúde, com atenção especial às mulheres que sofrem perda gestacional, óbito fetal ou neonatal. 

por Gabriela Matias

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.139, que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. Publicada no Diário Oficial da União nesta semana, a nova legislação busca garantir acolhimento humanizado a mulheres e famílias que vivenciam a dor da perda de um filho durante ou após a gestação. 

As ações previstas passam a integrar oficialmente o atendimento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com entrada em vigor prevista para 90 dias após a publicação.

Segundo explica a advogada Rafaela Carvalho, do VLV Advogados, a lei representa um passo importante para o reconhecimento institucional do luto parental. “Além de tratar a dor com o respeito que ela merece, a legislação obriga o poder público a oferecer suporte real para essas famílias. É um avanço civilizatório no cuidado com a saúde emocional”, afirma.

A ideia é oferecer suporte desde o momento da perda até o pós-alta, com diretrizes que devem ser seguidas por hospitais e profissionais de saúde em todo o país.

A nova lei determina, por exemplo, que hospitais devem:

  • Cumprir protocolos de atendimento humanizado, garantindo rapidez, acolhimento e respeito;

  • Encaminhar a família para acompanhamento psicológico, preferencialmente em casa ou em unidade próxima com profissional habilitado;

  • Facilitar a comunicação entre equipes de saúde, para que todas as unidades estejam cientes da perda vivida pela paciente;

  • Oferecer quartos separados para mães que perderam seus bebês ou cujos filhos têm diagnósticos graves;

  • Assegurar a presença de um acompanhante escolhido pela mãe no parto de natimorto;

  • Permitir que a família se despeça do bebê com privacidade, pelo tempo que considerar necessário;

  • Coletar e entregar lembranças do bebê, como impressão digital e plantar, se a família desejar;

  • Emitir declaração com o nome do bebê e dados do parto, para que os pais possam exercer sua memória e vínculo.

A lei também exige que os profissionais de saúde passem por capacitações específicas sobre o tema, garantindo sensibilidade e preparo no atendimento a essas situações. Outro ponto importante é a garantia de assistência social para os trâmites legais, incluindo orientação sobre o registro do óbito e eventuais providências funerárias.

A família poderá ainda decidir sobre sepultamento ou cremação do natimorto, escolher realizar rituais conforme suas crenças e participar da organização do momento de despedida. A destinação dos corpos deverá sempre respeitar a dignidade da pessoa humana, sendo vedada qualquer forma de descarte sem autorização familiar.

Para Rafaela Carvalho, o impacto da legislação vai além do aspecto emocional: “É uma norma que também tem peso jurídico. Ao estabelecer direitos e obrigações claras, ela oferece base legal para responsabilizar instituições que falharem no acolhimento. Isso traz segurança e reconhecimento para famílias que, até então, lidavam com essa dor em completo abandono do Estado.”

Com a nova política, o luto parental deixa de ser um tabu no atendimento de saúde pública e passa a ser reconhecido como um processo que merece escuta, cuidado e dignidade.

Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental: O que é?

A nova legislação tem como escopo central garantir dignidade, acolhimento e assistência integral às famílias que enfrentam perdas ainda na gestação, no parto ou nos primeiros dias de vida da criança. Conforme descrito em seu texto, a política busca a integração dessas ações ao Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento pautado em equidade, respeito e empatia.

Dentre os principais objetivos estão:

  • A humanização no atendimento durante e após a perda;

  • A comunicação clara e respeitosa com os familiares;

  • O acesso a acompanhamento psicológico;

  • A oferta de capacitação contínua a profissionais da área;

  • A previsão de direitos para o registro, despedida e sepultamento dos natimortos.

A advogada Rafaela Carvalho, especialista em direitos da saúde e integrante do escritório VLV Advogados, explica que “a lei inaugura uma fase de responsabilização mais objetiva por parte do poder público, diante de situações em que o sofrimento era, muitas vezes, tratado de forma burocrática e desumana”.

Direitos garantidos às famílias pela nova lei

A Lei nº 15.139/2024 impõe aos entes públicos a adoção de uma série de providências práticas e simbólicas, com o intuito de assegurar a dignidade da mulher e de sua família no momento da perda.

Entre os direitos garantidos, destacam-se:

  • Direito à informação: os profissionais devem comunicar com clareza o ocorrido, com linguagem acessível e respeito ao momento emocional da família;

  • Acompanhamento psicológico: a família deve ser encaminhada para atendimento especializado, preferencialmente em domicílio ou unidade próxima;

  • Acomodação separada: mulheres que sofreram perdas gestacionais ou neonatais devem ser, sempre que possível, acomodadas em ala distinta das mães com bebês vivos;

  • Presença de acompanhante no parto do natimorto: a mulher tem direito a indicar alguém de sua confiança para estar ao seu lado nesse momento;

  • Despedida do bebê: deve ser garantido um espaço e tempo adequado para que os pais e familiares possam se despedir, conforme suas crenças e necessidades emocionais;

  • Registro de lembranças: é direito da família solicitar impressões digitais, plantares e a emissão de documento com o nome escolhido para o bebê;

  • Escolha sobre rituais fúnebres: a família decide sobre sepultamento ou cremação, sendo vedada qualquer destinação que não respeite a dignidade da pessoa humana.

Segundo Rafaela Carvalho, “o reconhecimento do luto parental como um evento jurídico relevante reforça a proteção da dignidade humana em todas as suas fases. É um marco para o Direito da Saúde e para os direitos das mulheres no Brasil.”

Como essa lei se relaciona com o SUS e os deveres do Estado?

A política instituída por esta nova legislação integra-se diretamente ao SUS, o que significa que hospitais públicos, maternidades conveniadas e profissionais da rede básica de saúde devem seguir os protocolos definidos.

A atuação dos entes federativos (União, estados, DF e municípios) deverá ocorrer de forma coordenada, com especial atenção à:

  • Descentralização das ações: o atendimento deve chegar à ponta, especialmente nas regiões mais vulneráveis;

  • Formação de profissionais: é dever do Estado oferecer capacitação contínua sobre luto gestacional e neonatal;

  • Integração intersetorial: as áreas da saúde, assistência social e até o judiciário devem atuar de forma articulada quando houver impacto nos direitos da família enlutada.

Essa vinculação com o SUS confere efetividade prática à norma e permite que as famílias exijam seu cumprimento com base nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, que regem o sistema.

Consequências jurídicas à  hospital não cumprir as diretrizes da nova lei

Sim. Com a sanção da nova norma, os hospitais públicos e conveniados, assim como seus profissionais, passam a ter deveres objetivos no atendimento humanizado ao luto parental. O descumprimento desses deveres pode gerar responsabilidade civil do Estado ou da unidade hospitalar.

A depender do caso, é possível pleitear:

  • Danos morais, diante de condutas que podem agravar o sofrimento da família;

  • Danos materiais, caso haja gastos indevidos em razão da ausência de acolhimento público;

  • Responsabilização por negligência, nos casos de omissão de protocolos previstos na legislação.

Conforme aponta a advogada Rafaela Carvalho, “a lei traz um novo parâmetro para o Judiciário na análise de ações por dano moral decorrente de luto mal conduzido. Situações que antes eram vistas como ‘mero aborrecimento’ passam a ter respaldo normativo para serem julgadas sob o prisma da responsabilidade civil”.

O que pode mudar na prática para os profissionais de saúde

A nova lei exige dos profissionais da saúde postura ativa, empática e tecnicamente capacitada para lidar com situações de luto gestacional, fetal e neonatal. Isso inclui desde a forma de dar a notícia até a execução de cuidados específicos após o óbito.

Na prática, os profissionais deverão:

  • Passar por formações obrigatórias sobre a temática do luto;

  • Registrar com clareza as informações nos prontuários médicos, incluindo o óbito e as circunstâncias envolvidas;

  • Garantir que os direitos da mãe e da família sejam respeitados integralmente, inclusive no que diz respeito a acompanhante, despedida e apoio psicológico.

A falta de preparo para lidar com essas situações poderá configurar, a partir da vigência da norma, falha na prestação do serviço público de saúde, com repercussões éticas e jurídicas para os envolvidos.

A Lei nº 15.139/2024 marca uma mudança significativa no tratamento jurídico e institucional do luto parental no Brasil como garantia de um instrumento de proteção aos direitos fundamentais, especialmente à dignidade da pessoa humana, à saúde emocional e ao acesso a políticas públicas equitativas.

Ao reconhecer o sofrimento das famílias que perdem seus filhos antes ou logo após o nascimento, o Estado brasileiro dá um passo em direção à humanização da saúde pública e à construção de um sistema mais sensível às vulnerabilidades sociais.

Como ressalta a advogada Rafaela Carvalho, do VLV Advogados, “a lei rompe o silêncio histórico sobre a dor dessas mães e pais, trazendo respaldo legal, responsabilidade pública e respeito à memória do que foi vivido. É uma conquista para o Direito e, acima de tudo, para a humanidade”. Com a entrada em vigor da norma, espera-se que as famílias recebam não apenas atenção técnica, mas olhares empáticos, escuta acolhedora e suporte contínuo, como parte do direito de ser cuidado mesmo na ausência da vida.

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