Parlamentar teria feito transferências bancárias e manobras financeiras suspeitas durante o período eleitoral em 2022, quando era candidato
O processo de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), que está em segredo de justiça, pode levar à cassação do mandato do deputado estadual Luciano Pereira de Oliveira (PSD), revela uma série de reviravoltas e inconsistências na condução da Justiça Eleitoral do Tocantins. Acusações de abuso de poder econômico, decisões contraditórias de magistrados e encontros a portas fechadas marcam este caso, prolongado por quase dois anos e que ainda não tem uma conclusão definitiva.
Durante o caminhar do processo, o ex-vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Helvécio de Brito Maia Neto, afastado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no último dia 23 de agosto, por suspeita de participação em um esquema de venda de sentenças em vários momentos, se reuniu com a Corte Eleitoral de portas fechadas e mudou os rumos da análise do caso.
Ele e seu filho, Thales André Pereira Maia, foram alvos da Operação Máximus, conduzida pelo STJ. Thales acabou preso pela Polícia Federal (PF) por ser um dos principais envolvidos no suposto esquema de vendas de sentenças, o que pode demonstrar supostas ilegalidades cometidas ao longo do processo.
Durante uma audiência realizada em 14 de junho de 2023, foram apresentados extratos bancários pessoais fornecidos pelo próprio deputado Luciano de Oliveira, à pedido da Justiça. Esses documentos apontam que o deputado fez diversas transferências de sua conta pessoal para o pagamento de fornecedores, líderes políticos e doadores de sua campanha, o que, segundo os autos, configura abuso de poder econômico. Os valores envolvidos são significativos: apenas as transferências bancárias da conta pessoal de Luciano de Oliveira ultrapassam os R$ 118.000,00.
Entre os destinatários das transferências estão Vivaldo Rodrigues de Aguiar, que recebeu R$ 2.200,00 em quatro transferências para militância e locação de veículo; Gustavo Monsueth Alves Neto, que recebeu R$ 2.000,00 por serviços de militância; e Ricardo José de Moura Lima, com um total de R$ 830,00 também por militância. Além disso, Auto Posto de Combustível recebeu R$ 10.284,00 e o Auto Posto Guerra EIRELI R$ 11.350,00 para serviços de abastecimento durante a campanha.
Outras transferências incluem R$ 8.000,00 para Daiton Alves da Silva, R$ 1.500,00 para o doador Gilvan Pereira Lopes, e R$ 53.000,00 para o doador Mirvan Pereira. Luciano Machado Pereira, fornecedor de locação de carro, recebeu R$ 10.000,00, enquanto Kallebe Silva de Sousa, fornecedor de som, recebeu R$ 4.500,00. Além disso, R$ 2.368,00 foram pagos ao Valdeir Figueiredo, sócio de um posto de combustível, e R$ 5.000,00 para Cleide de Moura Nunes, doadora.
Na prestação de contas ao TRE, consta que Mirvan Pereira doou R$ 5.800,00; Cleide de Moura Nunes doou R$ 8.500,00. Não há informações de quanto Gilvan Pereira Lopes doou.
SUPOSTO CAIXA 2
Outro ponto crítico da acusação é o suposto uso de caixa 2 durante a campanha. Luciano de Oliveira declarou ter gasto R$ 262.614,33 em sua conta de campanha, valor que passou pela prestação oficial. No entanto, as investigações apontam que os gastos reais foram quase 50% maiores do que o declarado, levantando a suspeita de que recursos não contabilizados foram usados para financiar a campanha.
Diante das evidências de movimentações financeiras suspeitas, suplentes do deputado solicitaram, em 03 de julho de 2023, a quebra de sigilo bancário e fiscal de Luciano de Oliveira e sua esposa, Leila Renata Moura Lima, como parte das diligências necessárias para o aprofundamento da investigação. No dia 03 de agosto de 2023, a então relatora do caso, juíza Delícia Feitosa Ferreira Sudbrack, autorizou a quebra de sigilo bancário de Leila Renata, referente ao período de julho a dezembro de 2022, nas instituições Banco do Brasil e Bradesco, além de determinar a quebra do sigilo fiscal do casal, relativo ao exercício de 2023 (ano-calendário 2022). Há mais contas que não foram analisadas pela Justiça.
SEGREDO
Entretanto, o caso sofreu uma reviravolta: Em 11 de outubro de 2023, no último dia de Delícia Sudbrack como magistrada no TRE-TO, ela modificou sua decisão anterior. Sem a apresentação de fatos novos e após uma reunião a portas fechadas com o desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, a juíza excluiu a quebra de sigilo bancário e fiscal de Leila Renata e reduziu o período de investigação bancária de Luciano de Oliveira. Além disso, o processo foi colocado em segredo de justiça, o que impediu até mesmo que outros membros da corte tivessem acesso aos autos.
CONTRATO QUESTIONÁVEL
O contexto em que essa mudança de posição ocorreu levantou suspeitas, especialmente pelo fato de Delícia ter sido nomeada para um cargo na Assembleia Legislativa do Tocantins, pelo presidente Amélio Cayres (Republicanos), apenas oito dias depois de sua saída do tribunal, com um salário de R$ 32.228,69.
ÀS ESCURAS
Com a saída de Delícia do caso, o processo passou a ser conduzido pelo juiz Antonio Paim Broglio, que a substituiu. Inicialmente, Paim manteve a primeira decisão de Delícia e determinou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Luciano de Oliveira e Leila Renata no período entre 20 de julho de 2022 (início das convenções eleitorais) e 16 de dezembro de 2022 (diplomação de Luciano de Oliveira). No entanto, em uma nova reviravolta, após uma reunião a portas fechadas solicitada pelo então vice-presidente do TRE-TO, desembargador Helvécio Maia, Paim também alterou sua decisão. Em 23 de julho de 2024, ele afastou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Leila Renata e reduziu o período de investigação bancária de Luciano de Oliveira, limitando-o de 20 de julho a 01 de novembro de 2022.
DIVERGÊNCIAS
Durante todo o processo, o Ministério Público Eleitoral (MPE), representado pelo procurador Rodrigo Mark Freitas, manteve uma posição firme a favor da quebra de sigilo. Em 02 de outubro de 2023, o MPE opinou pelo desprovimento do Agravo Regimental interposto por Luciano de Oliveira, defendendo que havia fundamentos sólidos para a quebra de sigilo bancário e fiscal tanto de Luciano de Oliveira quanto de Leila Renata.
A divergência dentro do TRE-TO ficou clara durante o julgamento dos embargos. O magistrado Wagmar Roberto Silva, juiz federal, foi o único a não modificar seu voto, mantendo sua decisão inicial de manter a quebra de sigilo de Leila Renata e de Luciano de Oliveira, considerando que não havia fundamento nos embargos apresentados pelo deputado. Para Wagmar, as evidências de movimentações financeiras suspeitas eram suficientes para justificar a continuidade da investigação.
REUNIÃO SECRETA
As trocas de decisões e as reuniões secretas, como a realizada em 11 de junho de 2024, durante a vice-presidência do desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, aumentaram as críticas sobre a condução do processo. A demora para chegar a uma conclusão definitiva tem sido alvo de muitas queixas, com o processo já incluído e retirado de pauta várias vezes.
ESTAGNAÇÃO
Apesar das acusações de abuso de poder econômico, Luciano de Oliveira continua a ocupar o cargo como deputado estadual desde janeiro de 2023. As contas de sua campanha foram desaprovadas por unanimidade, o que tecnicamente o tornaria inelegível. Mesmo assim, o julgamento do mérito da ação, que poderia levar à cassação de seu mandato, ainda não ocorreu. Passados quase dois anos, o processo segue discutindo apenas a quebra de sigilo bancário e fiscal, sem avançar para a análise central sobre o abuso de poder econômico.
As suspeitas sobre o envolvimento de interesses políticos na mudança de decisões e a falta de uma resolução rápida para o caso geram críticas sobre a atuação da Justiça Eleitoral e sua capacidade de julgar processos sensíveis com a celeridade necessária. Enquanto o processo se arrasta, Luciano de Oliveira permanece no poder, e as dúvidas sobre a legitimidade de seu mandato crescem.